ABSTINÊNCIA DE CONSCIÊNCIA
Sindy Késsia
Recém-graduada em Bacharelado em Dança pela Universidade Federal do Ceará (UFC), além de intérprete, criadora, professora, pesquisadora e escritora. E-mail: sindymoreira01@gmail.com.
Ter consciência do que você está fazendo enquanto dança é o que nós, que dançamos, chamamos de consciência corporal. Apesar de acreditar que “só” dançar, sem pretensões e intenções, já é muito e já diz muito, a consciência corporal nos ajuda a ser mais e a dizer ainda mais. Não dançar só por dançar, sem o intuito de agregar. Eu acredito que sempre há algo para comunicar. Não se mover só por se mover, mas com a intenção de ter algo a dizer afinal, mesmo algo que pareça indizível ou muito abstrato para quem não é tão compreensivo. Mesmo nem sempre havendo algo para ser dito explicitamente, alguma coisa ainda está sendo comunicada, transmitida e sentida.
Essa consciência corporal nos faz ter um controle maior e melhor do que se está dançando e tentando comunicar. Faz com que saibamos lidar um pouco mais com a autonomia do corpo. Este carrega tamanha autenticidade, que se desvencilha do que costumamos querer que ele esteja expressando, como se ele fosse simples e facilmente obedecer ao que nós estivermos ordenando. Portanto, a consciência corporal não tem a ver com o quanto é possível guiar os próximos passos que o corpo dará/fará, mas com perceber e entender quais serão eles e quais alternativas usar para acompanhá-los.
Mas, quando falamos, por exemplo, sobre consciência racial, de gênero e de classe? Ainda estamos sim falando desse mesmo corpo que dança, pois ele não pode abdicar desses outros tipos de consciência, que o fazem estar, direta e/ou indiretamente, ligado ao contexto social e afetado pelo cenário político. Ele é crítico. Corpo que dança, que rebola, mas que também precisa “se rebolar” para dar conta de se posicionar, articular, mobilizar para poder reivindicar.
Conscientes, em todos esses aspectos, dos nossos corpos que dançam, passamos também a ter a consciência de que se reunir e se unir, numa busca por algo que representa unanimidade, é fortalecedor e inspirador, reforçando a importância e a relevância do senso de coletividade. Isso também tem a ver com política, com o que gera crítica.
A consciência do quanto uma mobilização e uma manifestação podem afetar a nossa corporeidade se dá quando o corpo fica febril e choroso lidando com o que é da ordem do ríspido e do hostil, e quando a gente se dá conta do quanto ele foi/é atacado, violentado e violado, reverberando no nosso humor, a cada novo rumor. Estar consciente, de maneira alguma, será sinônimo de ter uma postura condizente com o que nos faz adoecer o corpo.
Em posição fetal, pensamos no que é visceral e no que tem sido negado e negligenciado, podendo atingir um nível fatal. Algumas pessoas têm passado mal. Sem condições, sem estruturas, lidando com uma série de rupturas, rachaduras. Piso molhado, mas não de suor. É muito pior. Goteiras. Suando e gotejando. Murmurando. Murmúrios a cada pingo que cai no chão quebrado e que derruba alguém que quase sai com um osso fraturado. Sem nenhum aparato, nenhum amparo. Calor e clamor. Pessoa dançarina dançando num espaço nada acolhedor. Será que há a consciência do quanto isso é desesperador e perturbador?
A consciência corporal de quem dança também está atrelada às circunstâncias nas quais e com as quais o corpo dança. Quando nos concentramos no que nos permite ter mais noção e convicção na tentativa de transmitir algo, há uma referência ao grito que o corpo quer dar, àquilo de que ele precisa e ao que ele deseja para se expressar. E também para existir. Pelo simples e, paradoxalmente complexo, direito de existir, de ir e vir, de sentir.
Me tira o fôlego, muito mais do que uma coreografia pensada e dançada de forma frenética, a falta de ética. Minha consciência disso e a partir disso não me permite me expressar de outra forma que não seja poética. Consciência corporal para dançar. Consciência do que carrego no meu intelecto para me manifestar.
A propriocepção, que nos faz ter noção da relação entre o corpo e a espacialidade, me faz pensar sobre a necessidade de sabermos um pouco mais do que isso. Saber sobre o lugar que estamos ocupando e sobre a postura que estamos adotando dentro da sociedade. De olhos fechados, se levanto o meu braço esquerdo na altura dos ombros, com o indicador da minha mão direita eu saberei apontar para a direção onde o braço esquerdo está. No entanto, se permaneço de olhos fechados para o fato de que é preciso passar a ter consciência sobre tudo aquilo que é sinônimo de incoerência, inconsistência e incompetência, eu não saberei me situar, não saberei me direcionar e muito menos adotar a postura ideal para lidar com o que é fundamental. Dessa maneira, haverá uma abstinência de consciência sobre a essência do que representa resistência. Do que é primordial.